quinta-feira, julho 05, 2007

Apócrifo tormento
ou
amálgama de
pranto,
meu domínio (minha
máquina de pensamento)
ser
e ser-me
sensível:
eu canto.

(E logo
universal Silêncio...
quebranto.)

quinta-feira, junho 14, 2007

Eis-me
na sala do capítulo,
meu patíbulo
balaústre de negro encosto à dor
e contra
a dor que me conforta,
me consome, e
me dá o negro alento
para versar
mais um
capítulo
da dor.
Eu sei,
meu ser,
que sempre te ocultas no recôncavo
das noites que invento
para ti,
doce e amargo ser
plebeu e
sublime
como só um ser silente pode
(sabe)
ser.

(Ainda estás por aí?...)

segunda-feira, maio 28, 2007

Oblíqua dúvida se instala
no patamar urgente
da palavra: que símbolo
que signo que sinal
vem agora com gumes
e fios de azedume
ferir a serenidade negra
da razão
ubíqua?

sexta-feira, maio 04, 2007

Na interminável noite do poema
o dia se retarda
adiado em versos tais
que as almas choram
desesperadas por um fado, uma álgida
álgebra de dor, de angústia, de
poemas da minha vida.
E bebo a luz das estrelas
a parca luz
da treva
e do (meu) silêncio.
Ser silente
(sou) na bruma das palavras:
paciente,
aguardo a minha hora
que será
a mais bela melodia
do mais belo
cisne.

terça-feira, abril 17, 2007

Na oligarquia dos meus sonhos
o primogénito (que é também o derradeiro)
sulca profundamente o mar interior,
desenha um mapa ínfimo de dor,
de mim. É meu o mar, meu o sinal
e minha é a dor.

sexta-feira, abril 13, 2007

Aqui,
onde não há eco
não há júbilo
não há cor
não há palavras,

aqui
na mais alta profundeza
do sentir,
(sinto): penso,

apago a dor.
(interlúdio de um início:

quando a nuvem da memória tolda a visão
do ouro que imaginaste
subsiste uma flor que impõe o ritmo
da lívida poesia.
é uma obscura engrenagem
simétrica
indefectível
movida pelo vinho da obstinação.

quarta-feira, março 28, 2007

(umbra)

que esta voz possa brilhar:
temor suave
ou relógio que marca intensidade
fonética
de um quase agudo
beijo?

segunda-feira, março 26, 2007

e agora sentir
como se mordesse húmus
negro
(imaginária réstea de
esperança.
pausa no vento
que deseja
outro sinal)
e agora sentir
o mundo
húmus
negro.
a causa do silêncio
a estrutura da distância
melodia do isolamento
beleza em código:
imaginar a água,
a nuvem
- o processo

quinta-feira, março 22, 2007

respiração da terra:
o silêncio.
a dor de brotar da terra:
partenogénese do poema.

nasce então a flor
da meticulosa
dúvida.

:início de um interlúdio)

segunda-feira, março 12, 2007

O problema de ser quem sou ou ser o outro
que me habita
aconchegou-se nestas horas depuradas
em mim. Nasceu
de mim. Eu sou

o outro.
O meu destino é este:
não ter destino.

Os deuses, quando me criaram,
esqueceram-se de mim.

Estou, portanto, livre para gerar todas as palavras
moldá-las com a sapiente dor da terra
aspergi-las com a água
da vida
e com o fogo
dos deuses.

Assim seja feita a minha vontade.
Sou o habitante:
dentro das quatro paredes côncavas,
caverna das ideias.

Sou o habitante:
de mim perfeito habitante,

perfeito habitante de mim.

quarta-feira, março 07, 2007

Sabendo bem que aqui não entra a luz
(essa luz)
eu cego-me
eu digo-me que não tenho olhos
que não tenho olhos para ver
a luz
(essa luz).

Sou o habitante da mais alta profundeza:
cego
mas vejo

mas vejo o que não se vê
na luz
(nessa luz).

segunda-feira, março 05, 2007

E neste oceano de palavras
eu sou o habitante da mais alta profundeza.

Eu não tenho olhos: eu pressinto
aquilo que persiste
e que persistirá
neste oceano negro. Aqui.

Aqui não chega nunca a luz
desse falso conceito
ao qual lá fora chamam
A Razão.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

De todas as palavras que nunca disse
a mais secreta é a que nunca direi:
essa palavra negra
negra como a esperança
de poder um dia exercer o livre arbítrio
de desesperar
em mim no meu tempo e no meu
parêntesis de espaço.

Essa é, pois, a mais negra
das palavras:
das minhas
secretas palavras.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Até mesmo os pequenos estados de alma
são imensos. E porquê?
Porque a alma, mesmo a mais pequena alma
é sempre um conceito tão imenso
que nem mesmo eu, pescador de estados de alma,
alguma noite o conseguirei definir
ou explicar(-mo).

Desta asserção também se deduz
que a balança do esquecimento não é
(não pode ser)
um mecanismo simples.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

No Hades por habitar também existe um Letes
rio do esquecimento por inventar.
E é esse rio que corta o fio.

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

O mais pequeno estado de alma
e o mais pequeno grão de areia
podem ambos ser pesados
na mesma balança
do esquecimento.
Se posso descer ao poço
Porque não me inicio?
Tenho medo. Ou não posso.
Não quero romper o fio.

(Affonso Gallo não escreveria uma coisa destas.
Logicamente, eu não sou Affonso Gallo.)
Estou portanto à espera
de alguma coisa
pela qual valha a pena esperar
(que versos tão prosaicos!):
é esta a minha natureza.
Mas eu não sou natural.
Eu detesto a natureza
tal como a natureza a mim me detesta.
Eu sou prosaico.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Eu não sou o tempo
mas tenho dentro de mim o tempo.
O tempo é a minha duração
o meu parêntesis
e começa quando eu começo
e acaba quando eu acabo.
Também existe a eternidade
mas essa já não me diz respeito:
só o tempo me é real.

segunda-feira, janeiro 29, 2007

A única vantagem de estar aqui
é poder estar aqui.
Há sempre a hipótese de estar num outro mundo:
no mundo lá de fora
ou no mundo lá de dentro.
Mas estar no mundo lá de fora
ou estar no mundo lá de dentro
é sempre estar num outro tempo
que não é o tempo meu.
Aqui encontro-me no tempo que é o meu:
é este o tempo e o lugar onde sempre me encontro.
E é este o lugar e o tempo onde sempre me desencontro.
Assim me encontro e desencontro
porque me desencontrar é sempre igual a me encontrar.
Dez poderia ser um número como outro qualquer.
É o número que se segue ao nove
e é o número que vem antes do onze
mas poderia ser o número que vem depois do onze
e assim o número que vem antes do nove.
E dez poderia ser ainda outra coisa qualquer.
Como outra coisa qualquer pode ser o sete. Ou o doze.
Isto para falar apenas de números ditos inteiros.
Qualquer coisa.
Tudo é relativo.
Até mesmo a relatividade.
Eu sou aquele que pode afirmar isso.

terça-feira, janeiro 23, 2007

As vozes do Hades por habitar chamam por mim.
Eu sou o que ouve essas vozes
mas nunca lhes respondo.
Eu não quero ser o primeiro habitante
do Hades por habitar.
Prefiro escrever.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

(quem é este horizonte impassível que me persegue
nos olhos. de quem é a minha febre
por quem arde o meu tremor. que parca geografia
apronta o seu dardo mineral à parca perda
que nunca foi pedra e que já nunca foi pérola
nem significativo silêncio nem coisa alguma.
árvore do silêncio. aposta múltipla na tábua do perder o que não se pode ganhar.
e o comboio à espera entre cidades:
vamos lá.

(Maio 2002)
serei lágrima do vento. pensamento
obliquamente inquieto. paradigma
e plácido tormento. sal secreto
na cave cavernosa do tempo que já lamento
e já não choro. demonstro a paciência
e a virtude do silêncio.

(Maio 2002)
nunca na minha vida te perdi nem te encontrei
por quem consumo os templos
da pávida memória já não sei.


(Maio 2002)

quarta-feira, janeiro 17, 2007

tu sabes quem eu sou. só eu não sei
quem gasta o meu pavio de palavras
depuradas. assino a sina tua
sem saber qual o jornal
do pensamento diário ou do futuro
fulcro do deturpado fio cio
e do povo que dizes lavra no rio. )

Baltasar Mingo
(Publicado em Debaixo do Bulcão nº19, Julho 2002)

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Tenho dentro de mim o peso de sucessivas gerações
de eus. De sucessivas vidas que vivi.
Tenho dentro de mim o peso excessivo
de já ter sido
e a excessiva condenação de continuar a ser
o que já fui
o que sou
e o que ainda virei a ser.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Sento-me à minha frente
e logo sinto o habitual pavor
de me decifrar.
É este recorrente medo que alimenta
os eus que eu sou.
Sento-me à minha frente:
sinto-me um observador de mim próprio
se acaso isso conseguir sentir.
Sou um observador de mim próprio.
Sou apenas um observador de mim próprio
e isso já não é pouco.

(Almada, Julho 2003)
E há um limiar que não ouso ainda
transpôr. Há por ali um cântico negro
semelhável à noite que existe em mim.
São vozes de um outro universo
(porque não as posso ver: é assim que soam)
sereias de um secreto Hades
ainda por descobrir.
E eu não sou descobridor de coisa alguma

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Hábil é a mão sinistra
quando é ambivalente o poema.
Adestro-te, mão: adestro-me
oscilando para o lado abissal
que é em metáfora o do coração
e em mais pura verdade
o da dúvida.
O da treva, porque mal esclarecida.


(Almada, Julho 2003)
E tudo é relativamente perto
e tudo é relativamente longe.
Eu na estrada eu na vida:
perto e longe.


(Setúbal, Fevereiro 2001 )

terça-feira, janeiro 02, 2007

Quem escreve estes poemas sou eu
mas não sou eu.
A mão é minha, de meu pai e minha mãe
é destra de saber amar a tinta e o papel
mas problematicamente há um mas
dentro de mim um ser sinistro. (E quem escreve é o ser sinistro.)
Dentro de mim um ser sinistro se apresenta.
Dentro de mim um ser sinistro que irrompe
- e não conheço.

(Setúbal, Fevereiro 2001)

segunda-feira, janeiro 01, 2007

Lá fora
passa mais um ano
e começa agora neste instante
um novo ciclo solar (dizem)

mas eu
aqui
imune ao tempo

sou aquilo que sou
e sou tudo o que existe

- porque mais não é necessário...